domingo, 4 de maio de 2014

Pensados a Tinta: O trabalhador invisível

Pensados a Tinta: O trabalhador invisível: Por: Eliana Rezende


Começo com uma pergunta simples:

Você em seu cotidiano "vê" um gari?

A pergunta pode parecer óbvia e alguns inclusive dirão: “mas é claro!”
Mas será que de fato é assim?
Acompanhe-me:
Tempos atrás lia sobre um pesquisador que para desenvolver sua pesquisa de Mestrado na área de Psicologia Social vestiu-se de gari um dia por semana durante um período de seis anos, dentro do próprio Campus da Universidade de São Paulo no Departamento de Psicologia. 

Clicando aqui você pode conhecer mais sobre essa pesquisa e seu recorte.

No decorrer de sua pesquisa e para sua surpresa, percebeu o quanto essa categoria era ignorada por professores, alunos e funcionários. Em suas palavras: 

“Conhecia muitas das pessoas, porém, todas passavam sem me olhar. Em determinado momento, um professor se aproximou e interrompi a varrição para cumprimentá-lo, debruçando-me sobre a vassoura. Ele não me notou. Chegou a esbarrar no meu ombro e nem sequer parou para pedir desculpas”

Sua experiência serviu apenas para mostrar que muitos destes trabalhadores mantém-se restritos aos seus próprios círculos e evitam o contato visual com outras pessoas como forma de proteger-se de formas de violência ou desprezo social. O que revela uma forte exclusão ligada à divisão social do trabalho. 



Tal forma de invisibilidade recebe o nome de "invisibilidade social". O termo aplica-se em especial à profissões que, apesar de fundamentais para o funcionamento social, são totalmente ignoradas pela ampla parcela da população. Quer por preconceito, quer por indiferença. De modo geral, é uma indiferença que parte de camadas sociais consumidoras e com maior poder aquisitivo em relação às que habitam sua margem, ou que estão excluídas por causa de sua condição social.

No caso da pesquisa supra citada, o exemplo foi revelador, pois o pesquisador simplesmente trocou o lado e vestiu-se com um uniforme, dentro da própria instituição que estudava e descobriu que havia algo invisível à sua volta, que ele não havia se dado conta até então. Estar dentro dos muros da maior universidade do país e ainda assim encontrar tal tipo de invisibilidade apontou para um substrato de uma cultura da superioridade do conhecimento acadêmico em detrimento do trato humano entendido como relação social e humana.
Isso nos causa certo "choque" exatamente por que seria um espaço onde se esperaria que tais atitudes não devessem acontecer. Infelizmente, esse comportamento pode ser recorrente: claro que não podemos generalizar, mas ocorre.

Agora, partindo-se desse ponto, a pergunta quase inevitável e que destino a todos é:


Em seu cotidiano você “vê” tais trabalhadores? 


E amplio um pouco mais: Não apenas eles, mas uma gama imensa de operários, trabalhadores que edificam e erigem com seus braços caminhos, moradias, espaços e que em muitos casos (eles) não podem ser usuários dos mesmos. Vivem a exclusão e invisibilidade consentida de todos os que deles dependem e necessitam.

Falo de faxineiros, porteiros, pessoal da manutenção, jardineiros, pedreiros, ascensoristas, recepcionistas, seguranças, empacotadores, entre muitos outros.

Pergunto exatamente porque esta pesquisa veio mostrar as teias de invisibilidade que estão por traz de formas menores de preconceitos que tomam em conta a origem e a condição social.

Muitos veem apenas como seus iguais aqueles que possuem o mesmo colarinho.
Todo e qualquer trabalhador que não tenha esse parâmetro torna-se invisível.
Talvez tenhamos que avaliar como anda a redoma que às vezes nos pomos.

O cumprimento e a atenção estendidos a quem quer que seja além de denotar boa educação e consideração ao outro aponta nossos universos de prioridades e hierarquias.

Essa invisibilidade tecida muitas vezes por cargos de liderança infelizmente tem muito que ver como uma concepção muito arcaica, e pessoalmente gostaria de ver eliminada, que é a de que as pessoas são diferentes por exercerem funções tidas como menores ou terem tido menos oportunidades, escolaridade ou títulos. Isto é um equívoco imenso, mas infelizmente muitos em cargos de liderança nos fazem lembrar que essa nódoa existe e que continua sendo praticada diariamente. 

É de fato algo que precisamos superar.

Outro aspecto interessante nesta pesquisa foi apontar que em muitos casos os uniformes servem como “manto de invisibilidade”. Já que por meio de tais uniformes condiciona-se pessoas a determinados usos do espaço social. Indicam de onde vem e qual a função que ocupam e como devem ser “vistos”. É uma dentre tantas fronteiras que os espaços profissionais podem tecer.

Os uniformes, muitas vezes usados como garantias de segurança ou hegemonização dos espaços liga-se profundamente a ideia de exercer o controle, poder e vigilância.

Essa coisa de exercer a vigilância como forma de centralizar o poder e controlar pessoas é talvez a grande ambição humana. Acho que a relação humana acaba sempre colocando como mediação formas de controle para justificar atuações, sejam elas políticas, sociais, econômicas, entre outras. Basta pensarmos em Michel Foucault.

Como se vê, as barreiras não são apenas físicas e edificadas com tijolos. Podem estar à nossa volta e o que é pior, podemos ser nós a erigi-las. Por isso, creio que lidar com o diferente é algo que começa em casa e o outro terá que ser incluído em nossas existências, posturas e ações. Falar, projetar e pensar sempre é mais fácil que agir. Mas é nossa responsabilidade colaborar para esse salto qualitativo de relação.

Creio que aqui seja um bom momento para assistirmos o próprio pesquisador falando sobre seu tema:



Vejo que o fundamental é sempre olharmos com várias perspectivas e nisso a troca com outros é fundamental. O que para nós às vezes não é óbvio ou claro pode ser oferecido pelo olhar alheio.

Tenho o hábito de os cumprimentar sempre: inclusive os que estão nas ruas e não apenas nos locais que eu trabalho. E em muitos casos, presencio a surpresa que ficam. Olham-me com um misto de surpresa e timidez. E reproduzo o ato a todos que sei que prestam um serviço fundamental para que tudo funcione bem: ascensoristas, motoristas, senhoras do café e limpeza, porteiros, pessoas da manutenção, recepcionistas, entre outros. Tal qual faço com os Gerentes, Coordenadores, Diretores, Presidentes, Superintendentes, Secretários de Governo. Recebem de mim o mesmo cumprimento e sorriso (posso garantir!).
O que fica claro para mim a cada cumprimento é que em sua essência todos gostam da mesma atenção. Então, por criar diferenças?

Como digo sempre, temos que olhar de um ponto de vista empático. Se não soubermos exercer a empatia pouco prosseguiremos no sentido de extirpar esse mal do nosso meio.
Estimular a empatia e exercê-la cotidianamente nos tornará melhores e mais receptivos ao outro. Escrevi sobre empatia em outro post, e você poderá saber mais clicando aqui:

De fato, o que escapa há muitos é que existe uma dimensão humana e de importância relacional que está para além da posição que ocupa ou do cheque que ostenta. Não são os colarinhos que fazem as pessoas, mas a alma que as torna indivíduos que contribuem ao seu em torno. É isso que num mundo tão voltado ao ter se esquece: o que verdadeiramente conta é o que somos e não o que temos, já que é o somos que conseguimos levar para todos os lugares e ninguém nunca nos tirará. O que temos é só uma condição pontual altamente mutável.

Escolho para encerrar esse post um poema. 

É de Bertolt Brech, "Perguntas de um trabalhador que lê":

Quem construiu Tebas, a cidade das sete portas? 
Nos livros estão nomes de reis; os reis carregaram pedras?
E Babilônia, tantas vezes destruída, quem a reconstruía sempre?
Em que casas da dourada Lima viviam aqueles que a edificaram? 
No dia em que a Muralha da China ficou pronta, para onde foram os pedreiros? 
A grande Roma está cheia de arcos-do-triunfo: quem os erigiu? 
Quem eram aqueles que foram vencidos pelos césares? 
Bizâncio, tão famosa, tinha somente palácios para seus moradores? 
Nlegendária Atlântida, quando o mar a engoliu, os afogados continuaram a dar ordens a seus escravos. O jovem Alexandre conquistou a Índia. 
Sozinho? 
César ocupou a Gália. 
Não estava com ele nem mesmo um cozinheiro? 
Felipe da Espanha chorou quando sua frota naufragou. Foi o único a chorar? 
Frederico Segundo venceu a guerra dos sete anos. Quem partilhou da vitória? 
A cada página uma vitória. 
Quem preparava os banquetes comemorativos? 
A cada dez anos um grande homem. 
Quem pagava as despesas? 
Tantas informações. 
Tantas questões.
Fonte: http://pensadosatinta.blogspot.com.br/2014/05/o-trabalhador-invisivel.html

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